Qual o futuro das bibliotecas tradicionais?

Por Monique Lopes

Numa época em que se discute as mudanças da nossa relação com a leitura, ante a gradativa, porém crescente, digitalização de livros e revistas, o Brasil ainda tem uma questão a resolver: o acesso ao livro. O governo federal tem investido na missão de implantar em cada cidade do Brasil uma biblioteca pública. Segundo a Fundação Biblioteca Nacional, atualmente são cerca de 20 municípios sem uma. Dados do Conselho Federal de Biblioteconomia dão conta de que, em 2010, havia no país uma biblioteca pública para cada 33 mil habitantes. É pouco – na Argentina, na mesma época, era uma para cada 17 mil –, mas o empenho em aumentar esse número mostra que o futuro das bibliotecas tradicionais, apesar da atenção cada vez maior dada às virtuais, não é incerto.

Mônica Rizzo, coordenadora do Centro de Referência e Difusão da Biblioteca Nacional (BN), endossa esse discurso: “Eu não consigo visualizar hoje, com todos os meios de que nós dispomos, substitutos ao atendimento que as bibliotecas tradicionais oferecem, o apoio, o acompanhamento à pesquisa. A gente pode substituir o papel pelo digital, mas não pode substituir esse tipo de apoio”, avalia. A BN é a maior biblioteca da América Latina e a sétima maior do mundo, com um acervo de nove milhões de peças, dentre as quais cerca de 25 mil digitalizadas. Ficam de fora dessa conta os fascículos e periódicos, que fazem parte do projeto de uma hemeroteca digital ainda em andamento, esclarece Rizzo. Em 2011, esse acervo digital obteve 20 milhões de acesso. As contas do primeiro semestre de 2012, em aberto, já somam mais de 16 milhões. Ainda assim, a coordenadora afirma que o número de visitas à Biblioteca não têm diminuído em sua totalidade, mas apenas em determinados setores, como, por exemplo, o de referência, onde a biblioteca disponibiliza dicionários, enciclopédias e outras obras de consulta rápida.

“Hoje em dia, é muito fácil você acessar dados básicos, que é o que você costuma consultar num setor de referência, por meio da internet, que nisso tem se capacitado de forma bastante eficaz. Mas não houve um decréscimo expressivo nos últimos anos, porque a quantidade de acervo digitalizado versus acervo não digitalizado é muito grande pro lado do impresso”, diz. A digitalização de obras na Biblioteca Nacional segue um padrão: dá-se prioridade às obras publicadas no Brasil desde o século XIX, às obras raras e aos materiais mais consultados, como forma inclusive de preservar os originais. Além disso, Rizzo explica que não podem ser digitalizadas obras que ainda estejam sob direitos autorais.

Luiz Atílio Vicentini, coordenador do Sistema de Bibliotecas da Unicamp (SBU), que tem hoje em seu acervo digital cerca de 302 mil e-books, também levanta essa questão: “Nós não podemos pegar qualquer livro, digitalizar e disponibilizar para os alunos. Nesses casos, dependemos das editoras lançarem a obra também em formato e-book”, explica. Segundo Vicentini, as obras mais lançadas nesse formato pelas editoras são da área de exatas, o que faz com que, consequentemente, os estudantes dessa área sejam os que mais procuram pelo acervo digital da Unicamp. O SBU é formado por 27 bibliotecas com um acervo de mais de um milhão de livros. E apesar de não disponibilizar todo o seu acervo em formato digital, oferece hoje a maioria de seus serviços, como reserva de obras e renovação de empréstimo, pela internet. “As bibliotecas precisam se reinventar no atendimento”, afirma Vicentini.

O conceito de biblioteca virtual tem sido bastante disseminado no ambiente universitário. O acervo digital da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é disponibilizado aos alunos na forma de cinco bibliotecas virtuais: Biblioteca Virtual de Música, de Ciências Sociais, de Economia, de Estudos Culturais e de Literatura. A Universidade de São Paulo (USP), além das bibliotecas de acesso exclusivo da comunidade universitária, dispõe de outros três portais de acesso livre a revistas, teses e dissertações, e é responsável também pela Brasiliana USP, que conta com um acervo de três mil livros, periódicos e obras de referência para consulta e download. Já a Universidade Estadual Paulista (Unesp) inaugurou em maio deste ano sua Biblioteca Digital, parceria da instituição com o Arquivo Público do Estado de São Paulo, a própria Biblioteca Nacional e a Biblioteca Mário de Andrade, que assim permite acesso não só ao acervo das bibliotecas da Unesp como também a materiais pertencentes a essas instituições públicas.

Nessa corrida tecnológica, as bibliotecas universitárias, segundo Vicentini, têm uma vantagem em relação às públicas: investimento. Adriana Cybele Ferrarri, coordenadora da Unidade de Bibliotecas e Leitura da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo e idealizadora da Biblioteca São Paulo (BSP), concorda: “Nas universidades, você não precisa provar para o reitor que a biblioteca é importante. Quando entrei no governo, a área de biblioteca e leitura não estava no mesmo patamar que museus e teatros, por exemplo. Mas, por outro lado, em comparação a seis anos atrás (quando passou a integrar a equipe da Secretaria), estamos vivendo um momento muito especial nessa área, em questão de aporte financeiro”.

A BSP foi inaugurada em fevereiro de 2010 no Parque da Juventude, área em que antes funcionava o Complexo Penitenciário Carandiru. Em 2011, a Biblioteca teve 321 mil visitantes e possui hoje um acervo de cerca de 40 mil obras. Ferrari explica que a intenção não é, mesmo, possuir um acervo gigantesco. Em palestra recente no curso de biblioteconomia da PUC-Campinas, ela tocou num ponto que compete a toda biblioteca, em especial, às bibliotecas públicas tradicionais: o acervo envelhecido. Segundo ela, não adianta dispor de um acervo de milhões de livros “velhos” e que não chamem a atenção do leitor. “Não estou dizendo para por fogo em obra rara”, brinca. “Mas o acervo das bibliotecas públicas raramente recebe uma renovação com títulos atuais”, afirma. No caso das bibliotecas virtuais, a disponibilização de obras da atualidade esbarra, como já mencionado por Rizzo e Vicentini, na questão dos direitos autorais.

A Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, é a segunda maior do país e possui um acervo de 3,3 milhões de peças, das quais estão digitalizadas somente algumas centenas de mapas da coleção de obras raras. Já o Real Gabinete Português de Leitura, biblioteca pública desde 1900, com acervo atual da ordem de 350 mil volumes, não possui livros digitalizados, apenas manuscritos avulsos, códices e Atas dos Colóquios do Polo de Pesquisa sobre Relações Luso-Brasileiras. Mônica Rizzo, da BN, acredita que a digitalização não seja ainda o caminho para todas as bibliotecas. “Principalmente nesse primeiro momento, porque estamos falando de um país que tem ainda muitas disparidades na área de tecnologia. Mas possivelmente num futuro, talvez nos próximos 30 ou 50 anos, a tendência é que a maior parte das coleções em domínio público já esteja disponível em meio digital, o que será muito bom pra todos. Mas as bibliotecas (tradicionais) permanecerão”, reforça. Adriana Ferrari endossa: “Essa ideia de que com a TV o rádio iria acabar, com o cinema o teatro iria acabar e assim por diante já está ultrapassada. Nas bibliotecas, vão existir livros (em papel) e livros digitais”.

 

Fonte: http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=79&id=972&tipo=0

As bibliotecas virtuais democratizam o acesso ao conteúdo científico?

Por Francisco F. Zaiden
Os cientistas da atualidade vivem rodeados pela tecnologia, porém muitos ainda se lembram das dificuldades de se obter livros, artigos e periódicos científicos. Recorrer ao sistema de permuta entre instituições de pesquisa ou então visitar as bibliotecas e folhear enormes e pesados catálogos faziam parte da rotina dos pesquisadores até o advento da internet. A atual facilidade para encontrar conteúdo científico, se dá graças a inúmeras experiências que resultaram em portais de divulgação da produção científica, como é o caso de bibliotecas virtuais como a brasileira SciELO e o banco de dados norte-americano Thomson Reuters/Web of Science.

Entretanto, mais importante do que entender como e de onde surgiram, é entender o papel e o contexto no qual estão inseridos tais portais. Afinal, a proposta de divulgação de conteúdo científico via internet é também uma aposta na maior abrangência da ciência em prol da democratização da informação que produz.

 

As bibliotecas virtuais

O surgimento e a popularização dos portais virtuais que indexam e disponibilizam trabalhos científicos ocorreu na década de 1990, obviamente, seguindo o traço do avanço da internet. Alguns desses sítios, pioneiros na época, cresceram e se tornaram fonte de inspiração para outros ao redor do globo. Algumas bibliotecas virtuais não científicas surgiram bem antes da própria internet, como é o caso do Project Gutenberg, que abriga 39 mil livros eletrônicos de acesso gratuito.

Reconhecido como a mais antiga livraria digital do mundo, o Project Gutenberg– que recebeu este nome em homenagem a Johannes Gutenberg, inventor da prensa – foi fundado por Michael Hart, em 1971. A ideia nasceu através de uma experiência com a digitalização da Declaração de Independência dos Estados Unidos. E com o avanço da computação e o surgimento da Arpanet (o precursor da internet) Hart passou a digitalizar outras obras, pois acreditava que seria possível que todos os lares norte-americanos pudessem ter um computador com acesso a rede Arpanet e, com isso, poderia difundir os livros de forma gratuita.

Outra referência é o Web of Science (WoS), banco de dados de produção científica que pertence ao grupo Thomson Reuters, antigo Institute for Scientific Information (ISI). Além de armazenar e divulgar o conteúdo de periódicos científicos, o ISI foi responsável pelo desenvolvimento de índices que medem e estabelecem padrões para publicações científicas.

Com o avanço dos trablhos científicos, e também da tecnologia, inúmeras outras bibliotecas virtuais surgiram ao redor do globo. Inclusive no Brasil (Leia artigo sobre América Latina).

 

O surgimento no Brasil

Quando falamos sobre produção científica nacional e sua divulgação, um nome surge instantaneamente na mente dos cientistas: o SciELO. Lançado na internet em 1997 através de uma parceria entre Abel Packer, mestre em ciências da informação, e Rogério Meneghini, doutor em bioquímica, com incentivo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Scientific Electronic Library Onlinese tornou o principal portal de indexação, além de referência em publicação de periódicos científicos do país. Apesar disso, Rogério Meneghini minimiza a influência da biblioteca sobre a produção científica nacional. “Não somos publishers, não possuímos nenhum poder nos periódicos. Também não ganhamos recursos dos periódicos e não possuímos nenhuma influência sobre eles. O que fazemos é acompanhar e selecionar os periódicos através de nossos critérios”. O SciELOtambém trabalha com acesso aos periódicos de forma gratuita. Para Meneghini, “o acesso aberto aumenta a possibilidade de toda a comunidade científica ter acesso à informação”. Atualmente, a biblioteca indexa 952 periódicos, a maioria nacionais, e tem ? mais de 370 mil artigos cadastrados no portal.

Outras bibliotecas virtuais ganharam destaque no cenário nacional. A Biblioteca Digitalda Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por exemplo, foi a primeira da América Latina a digitalizar 100% de todas as teses e dissertações produzidas na universidade. Já a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), também conhecida por Biblioteca Regional de Medicina (Bireme), criada em 1998 pelo Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Sáude é referência pelo conteúdo mais específico.

De acordo com Cláudia Guzzo, coordenadora do monitoramento das instâncias e projetos da BVS, “a Biblioteca Virtual em Saúde é resultado da evolução da cooperação técnica em informação em ciências da saúde conduzida pela Bireme desde sua criação, em 1967.” Segundo ela, no final da década de 1970 o modelo da Biblioteca se expandiu; de uma instituição pautada pelas funções essenciais de biblioteca biomédica regional, para uma que tivesse a função de centro de informação e indexação. “A partir dos anos 1990, o modelo de gestão da informação e intercâmbio de conhecimento em saúde convergiu para o novo paradigma da internet como meio de produção das fontes e fluxos de informação científica e técnica, no qual predomina um processo intensivo de desintermediação e operação direta das fontes de informação online pelos usuários.”, complementa Cláudia.

Os números de acessos ao portal da BVS impressionam: de acordo com dados fornecidos pela coordenadora, em 2010, foram mais de 29 milhões de visitas realizadas por usuários de 222 países. Em 2011, foram 19,5 milhões de visitas de 211 países. E neste ano, até o mês de abril, foram registradas mais de 5 milhões de visitas de 219 países. O Brasil responde por 73% de todos os acessos registrados.

O Brasil não está sozinho no crescimento de publicação de trabalhos científicos na internet, a América Latina cresce junto. Segundo Lilian Caló, também coordenadora da Biblioteca Virtual da Saúde, “o desenvolvimento das bibliotecas virtuais em saúde e o avanço do movimento de acesso aberto vem contribuindo para aumentar a visibilidade e disponibilidade dos resultados de pesquisa publicados na América Latina e Caribe”. Ela afirma que o número de periódicos indexados em bases de dados de prestígio como WoS, Medline e Scopus vem crescendo nos últimos anos, o que indicaria a melhoria de qualidade das publicações dessa região. “O número de periódicos da América Latina e Caribe na WoS mais que quadruplicou de 2000 a 2012, a mesma variação  é observada no Journal Citation Reports (JCR), base de dados que integra a Web of Knowledge”, analisa.

 

Serviço gratuito vs. serviço pago

Há um debate fervoroso na comunidade científica, e entre outros interessados, como autores e editoras, sobre a legitimação do serviço gratuito proporcionado pela maioria das bibliotecas digitais. No Brasil, por exemplo, o blog Livro de Humanas sofreu processo da Associação Brasileira de Direitos Repográficos (ABDR), acusado de pirataria, e saiu do ar. O blog disponibilizava cerca de dois mil títulos acadêmicos para download gratuito. O valor da indenização cobrada pela associação é de aproximadamente R$200 milhões

Nos Estados Unidos, ocorre um debate no congresso sobre o tema. Um grupo de congressistas, bipartidário, alega que a divulgação de artigos científicos deveria ser gratuita, pois 99% das pesquisas publicadas são provenientes de verbas públicas, e que por isso deveria ser disponibilizado de graça (leia reportagem sobre acesso aberto ao conhecimento científico).

Por outro lado, outro grupo acredita que o governo não pode, e não deveria, forçar o processo, pois seria nocivo à filosofia de livre iniciativa, além de burlar o direito à propriedade intelectual do pesquisador.

 

Biblioteca virtual promove democratização da informação?

Os especialistas são categóricos sobre o papel das bibliotecas virtuais na democratização da informação. No entanto, eles enfatizam que a democratização ainda está atrelada fortemente à comunidade científica. “A pessoa que mais se beneficia com o acesso aberto é o próprio cientista, que não possui condições financeiras para o acesso”, afirmou Rogério Meneghini, um dos fundadores do SciELOJá Cláudia Guzzo se mostra ainda mais otimista ao declarar que as bibliotecas virtuais são movimentos sociais: “há de se pensar as bibliotecas virtuais não só como portais de acesso à base de dados, mas também como movimentos sociais que envolvem os principais produtores de informação a nível nacional. Com isso, a informação já nasce com o intuito de ser divulgada de forma pública e gratuita, e surgem os movimentos em prol do acesso aberto e políticas de acesso à informação”.

As bibliotecas virtuais “são uma forma de ampliar a divulgação e o acesso da comunidade em geral, mediante o uso da tecnologia de informação”, reforça Tânia Angst, líder do grupo de pesquisa Documentação e Informação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e envolvida no desenvolvimento da Biblioteca Virtual do Estado do Rio Grande do Sul – que teve aumento de 90% no número de acessos de 2001 a 2011.

Apesar do debate que acontece em torno do acesso livre a conteúdos científicos na internet, não há dúvida de que o acesso tornou-se mais fácil e rápido e que as bibliotecas virtuais foram incorporadas na rotina de pesquisa, modificando para sempre o modo de acessar o conhecimento.

 

Fonte: http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=79&id=975